terça-feira, 29 de março de 2016

8.5 - A chegada da família real ao Brasil em 1808

A expansão militar e territorial de Napoleão Bonaparte na Europa esteve diretamente relacionada a vinda da família real portuguesa para o Brasil no ano de 1808. Portugal era importante aliado político e parceiro comercial da Inglaterra, principal rival de Napoleão e alvo direto do Bloqueio Continental. No momento em que o imperador francês anunciou o decreto, o príncipe regente de Portugal, D. João[1], ficou sem muitas alternativas, sendo ameaçado tanto por Napoleão, que exigia que o decreto fosse respeitado, quanto pelo rei da Inglaterra, Jorge III.  O governo português temia inclusive que suas colônias fora da Europa pudessem ser tomadas pelos ingleses.  Pressionado pelos dois lados e sem força militar para resistir a qualquer invasão, D. João vivia um grande dilema: o que fazer para nãoperder a coroa e o próprio país? 

A saída encontrada gera, ainda hoje, muitas divergências entre os historiadores. O príncipe D. João, forçado pelas circunstâncias e ao mesmo tempo apoiado pelo governo inglês, decidiu transferir a sede da monarquia portuguesa para o Brasil, sua principal colônia na América.[2] 
Nessa verdadeira aventura que seria atravessar o Atlântico em busca de segurança no Brasil, os portugueses contaram com a escolta da poderosa marinha inglesa. Veremos mais adiante, que em troca da proteção oferecida pelos britânicos o governo português teve que conceder à Inglaterra uma série de privilégios. Deve ser lembrado que nunca antes um monarca europeu havia estado pessoalmente na América. A mudança da família real portuguesa para o Brasil é cheia de importantes significados e vai provocar mudanças profundas e que foram decisivas para o processo de independência do Brasil catorze anos depois, em 1822.  

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PESQUISA: biografia de D. João 

A partida de Portugal e viagem até o Brasil

O embarque da família real portuguesa para o Brasil ocorreu no final de novembro de 1807 e é repleto de curiosidades. Apesar de a viagem estar sendo organizada há três meses, houve muita confusão no momento da partida.   A forte chuva que caía no dia dificultava ainda mais o carregamento dos navios e o deslocamento das pessoas até o cais.  Houve correria e até vaia para os que embarcavam carregando tudo o que era possível: móveis, obras de arte, joias, carruagens, louças, livros, arquivos com documentos oficiais do governo, o tesouro da coroa portuguesa e todo suprimento que fosse necessário para a longa viagem.  Na confusão, muitos objetos se perderam ou ficaram para trás, até mesmo parte da Biblioteca Real Portuguesa. Para tentar explicar aos súditos os motivos da decisão de partir para o Brasil, D. João mandou fixar cartazes pelas ruas de Lisboa, recomendando cautela e pedindo para não houvesse resistência aos invasores franceses. Mesmo assim o povo português, que assistia aquela cena sem poder acreditar, se sentiu abandonado e não ficou satisfeito com a decisão tomada por D. João.
Napoleão desistiu de esperar a posição do príncipe regente e ordenou que o território de Portugal fosse invadido pelas tropas comandadas pelo general Junot. Em Lisboa, no dia 27 de novembro todos já estavam acomodados e os navios prontos para zarpar. Entretanto, o forte vento que soprava do mar em direção ao continente obrigou os portugueses a adiarem a viagem. O clima era de muita tensão, pois já se sabia que os franceses estavam a poucos quilômetros de Lisboa. No dia 29 o vento mudou e finalmente os portugueses puderam iniciar a grande aventura que foi atravessar o Atlântico e se instalar no Brasil, longe da fúria de Napoleão.  Testemunhas afirmam que quando os franceses chegaram ainda era possível ver no horizonte as embarcações.
Na comitiva, além do próprio príncipe D. João, de sua mãe e rainha D. Maria I, da princesa Carlota Joaquina e dos filhos do casal,[3] vinham de 10 a 15 mil pessoas entre nobres, militares, religiosos e funcionários do governo. A viagem até a América esteve longe de ser tranquila.  A maioria da tripulação, acostumada com a vida de luxo, com a fartura e com o conforto, teve que enfrentar uma viagem cheia de contratempos e repleta de dificuldades. Diversos fatores contribuíram para isso: superlotação de navios, a falta de higiene, ausência de um local adequado para as necessidades fisiológicas, alimentação precária, escassez de alimentos e água e a proliferação de baratas, ratos, bactérias e piolhos, sem contar as tempestades e as precárias acomodações. 
Logo após a partida a comitiva já teve que enfrentar uma forte tempestade que provocou a dispersão da esquadra. Alguns dias depois as embarcações se reagruparam e avistaram a Ilha da Madeira. A essa altura vários navios estavam em precárias condições e o desanimo tomou conta da tripulação. Por ordem de D. João os planos foram mudados e parte da comitiva se dirigiu para Salvador enquanto que a outra parte seguiu diretamente para o Rio de Janeiro. Próxima a linha do Equador a comitiva teve outro imprevisto: a  calmaria dos ventos impediu a continuidade da viagem e os passageiros ficaram submetidos a dias e dias de sol forte.

Após 54 dias de viagem a esquadra portuguesa chegou ao porto de Salvador no dia 22 de janeiro de 1808. Os portugueses foram recebidos com festas e permaneceram em Salvador por mais de um mês. Enquanto isso a população do Rio de Janeiro se preparava e esperava com grande ansiedade a chegada da corte. No dia 08 de março de 1808 finalmente os membros da família real desembarcaram na capital da colônia. Pelas ruas da cidade o povo festejava e acompanhava tudo com grande entusiasmo. Após uma missa de ação de graças realizada na Catedral, D. João concedeu o primeiro "beija-mão".[4]


Que Brasil foi encontrado por D. João?

      O Brasil de 1500 até a chegada da família real em 1808  
 A “descoberta” da “nova terra” pela frota comandada por Cabral em 1500 foi seguida do processo de conquista e de colonização. Desde o início o Brasil tornou-se uma colônia de exploração [5] e logo se estabeleceu entre metrópole (Portugal) e colônia (Brasil) o “pacto colonial”.  Pelo pacto, a colônia só estava autorizada a produzir aquilo que interessava e fosse permitido pelo governo de Portugal, e ao mesmo tempo só poderia vender para Portugal e comprar produtos manufaturados trazidos da Europa pelos portugueses. Qualquer negócio feito fora dessa regra era considerado contrabando. Além de decretar a proibição de comércio da colônia com qualquer outro país, o governo português, procurando aumentar ainda mais seus lucros, proibiu que se instalassem em terras brasileiras estabelecimentos de manufaturas. O projeto dos portugueses era fazer de sua colônia uma verdadeira “galinha dos ovos de ouro”.  
Economicamente, o longo período colonial é tradicionalmente dividido em três fases: a fase da exploração (destaque para o pau-brasil), a do ciclo do açúcar, quando os portugueses passaram a conceder terras à estrangeiros e portugueses que pudessem investir na instalação de engenhos, e por fim, a partir de 1700, a fase da mineração. Todas essas fases foram profundamente marcadas pela utilização da mão de obra escrava, tanto indígena quanto africana. 
Durante a maior parte do período colonial os núcleos urbanos foram pouco desenvolvidos, já que por um bom tempo os portugueses se preocuparam muito mais com a exploração do que com o povoamento. Inicialmente as poucas cidades estavam diretamente ligadas a produção ou escoamento do açúcar.Fundada por Tomé de Souza em 1549, Salvador foi a primeira cidade do Brasil e escolhida como sede do governo-geral português. Através da atividade pecuarista e das expedições que procuravam explorar e ocupar melhor o interior do continente, novas vilas foram se formando e novos caminhos foram abertos.
Somente a partir dos anos 1700, com a descoberta de ouro na região de Minas Gerais, é que se intensificou a urbanização na colônia.  Mesmo assim, as cidades que surgiam estavam distantes uma das outras e a maior parte da população continuou concentrada nas áreas rurais e no litoral.  A riqueza proporcionada pela exploração de metais preciosos provocou um grande desenvolvimento do comércio interno e um aumento na quantidade de produtos que eram trazidos da Europa, ampliando a importância dos locais em que havia portos de desembarque. É nesse momento que a cidade do Rio de Janeiro, por estar próxima da região mineradora, tornou-se em 1763 a nova sede do governo português no Brasil. 
 
 No final do século XVIII a colônia contava com um pouco mais de 3 milhões de pessoas. A sociedade era profundamente desigual e dividida em colonizadores (que haviam nascido em Portugal), os colonizados (escravos e indígenas e que correspondiam mais de 80% da população) e os colonos (grandes senhores de engenho, fazendeiros e proprietários de minas). A partir do século XVIII, com a difusão dos valores iluministas e com o aumento da fiscalização por parte do governo de Portugal, passaram a ocorrer várias revoltas e conflitos na colônia. Algumas dessas revoltas pretendiam apenas modificar alguns aspectos da colonização, como foram as dos Emboabas e a dos Mascates, por exemplo. Outras, como a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1799), que já propunham á emancipação, isto é, a independência. Até 1808 os brasileiros viviam em uma terra sem universidades, sem imprensa, sem estradas, sem fábricas, sem bancos ou mesmo médicos. No geral, as condições de infraestrutura eram precárias. Essa situação de atraso se devia em boa parte ao próprio governo metropolitano português que cuidava de sua preciosa colônia não permitindo a ela qualquer tipo de desenvolvimento.

Pesquisa: rascunho de Brasil: como era o país em 1808

As mudanças promovidas por Dom João
O Brasil encontrado por D. João em 1808 era um lugar atrasado que durante mais de trezentos anos serviu somente para atender aos interesses de Portugal. Era, portanto, somente um projeto de nação. O primeiro significado da transferência da corte portuguesa para a América vai ser a mudança no eixo político - era como se o Brasil deixasse de ser colônia. Com a sede do governo de Portugal instalada no Brasil, as autoridades de cada capitania que antes deviam obediência ao governo abrigado em Lisboa, deveriam agora prestar conta ao Rio de Janeiro. Alguns afirmam que teve início nesse momento um processo de interiorização da metrópole, caracterizado pela criação de novas leis, novos cargos públicos e realização de grandes obras.
O próprio Dom João tratou de promover as mudanças de que o Brasil necessitava para ser digno de hospedar a família real procurando trazer para o Rio de Janeiro o modo de vida europeu. Era impossível para os portugueses, recém-chegados da Europa, viver longe de tudo aquilo que simbolizava o progresso. Sem perder tempo o príncipe D. João passou a tomar importantes medidas visando transformar a imagem da nova sede do governo. Muitas dessas medidas se mostraram decisivas por abrirem o caminho até a independência.  
                                             
Abertura dos portos e instalação de manufaturas
O ROMPIMENTO DO PACTO COLONIAL

As primeiras medidas tomadas por D. João estavam ligadas ao campo econômico e provocaram o rompimento do pacto colonial. Ainda em 1808, dias depois de desembarcar em Salvador, D. João decretou a abertura dos portos às nações amigas e concedeu permissão para que se instalassem as primeiras fábricas no Brasil. Precisamos entender que essas duas medidas foram motivadas tanto pelo compromisso que Portugal tinha com a Inglaterra quanto pela necessidade de abastecer a corte.


Em primeiro lugar o governo de Portugal tinha um importante acordo com a Inglaterra. Em troca da proteção dada aos portugueses na viagem da Europa até o Brasil a coroa inglesa exigia que Portugal liberasse os portos para os países com que mantivessem relações amigáveis. Como a Inglaterra estava em plena Revolução Industrial, acabou sendo a grande beneficiada já que teria no Brasil um novo mercado consumidor de seus produtos. Deve ser destacado que seria adicionada uma taxa alfandegária de 24% sobre os produtos comercializados no Brasil pelas “nações amigas” e uma de 16% sobre os produtos comercializados pelos comerciantes portugueses. Além da pressão que sofriam dos ingleses, os portugueses também se viram diante da necessidade de abrir os portos. Não existiam no Brasil fábricas que produzissem produtos de primeira necessidade e, ao mesmo tempo, os portugueses estavam impossibilitados de abastecer a nova sede do governo com produtos europeus, visto que na Europa as tropas francesas ocupavam Portugal.[6] Pela mesma razão, portanto, o governo permitiu que se instalassem por aqui as primeiras indústrias, afinal, era preciso começar a produzir aqui o que antes era trazido da Europa e assegurar o conforto da corte na América. [7]

OS TRATADOS DE  COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO DE 1810

Além de exigirem que os portugueses abrissem os portos do Brasil para o comércio, os ingleses pressionavam também por vantagens econômicas.  Vários tratados foram firmados entre Inglaterra e Portugal, porém, os mais importantes foram os Tratados de Aliança e Amizade, de Comércio e Navegação, assinados em 1810.  Esses tratados visavam manter as boas relações entre as duas monarquias, porém, vão humilhar a soberania portuguesa e serão, mais tarde, um grande empecilho para a independência econômica do Brasil. O tratado estabelecia algumas normas jurídicas e dava conta até mesmo de questões religiosas[8], contudo suas considerações mais importantes dizem respeito a economia, ao comércio e a mão de obra escrava. O tratado só poderia ser revisado após quinze anos e até lá nenhum ponto poderia ser modificado.
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Pelo tratado os ingleses pagariam 15% de imposto sobre as mercadorias que desembarcassem nos portos brasileiros. Enquanto isso, comerciantes portugueses pagariam um taxa de 16% e outros países uma taxa de 24%. Com essa clara vantagem a Inglaterra passou a dominar o mercado consumidor no Brasil. Na prática, era como se o tratado anulasse a licença para a atividade industrial no Brasil, já que a maioria das fábricas que iniciavam suas atividades não tinham como competir com os produtos ingleses, mais qualificados e de preço reduzido. [9]
Além dessas questões, o tratado também fazia referência ao trabalho escravo. Para a Inglaterra a escravidão representava um obstáculo para a ampliação de seu mercado consumidor fora da Europa[10] e desse modo, a partir de 1808 os ingleses passaram a lutar pelo fim do tráfico de escravos. Por pressão dos ingleses, em uma das cláusulas do tratado os portugueses se comprometiam em abolir gradualmente o comércio de escravos no Brasil. Como veremos, nesse ponto estiveram os motivos para os principais desentendimentos que ocorreram entre as duas coroas nos anos posteriores. [11] D. João se negava a proibir o tráfico negreiro por temer a insatisfação de todos aqueles que lucravam com a escravidão: senhores de engenhos, exploradores de minas e comerciantes de escravos.

Melhorias estruturais, progresso cultural e uma nova administração.

A transferência da família real não vai significar somente o fim do pacto colonial e a entrada de uma grande variedade de mercadorias no Brasil. Uma série de novos interesses e de novas necessidades vão se misturar. A chegada de cerca de 15 mil pessoas de cultura e hábitos completamente diferentes mudou o ritmo da cidade em todos os sentidos e em pouco tempo. Logo D. João percebeu que além de mudanças na economia, seria necessária também uma profunda mudança administrativa, estrutural e cultural. Depois de trezentos anos de colonização, promover essas mudanças não seria uma tarefa fácil. [12]
 Por ser a sede do governo, a transformação começou pelo Rio de Janeiro, que estava, apesar de ser a capital da colônia desde 1763, muito longe de ser uma cidade dos padrões europeus. Sem planejamento, as habitações eram simples e as ruas estreitas, escuras e tomadas por cheiros desagradáveis devido à falta de fossas ou redes de esgotos.Para acomodar todos os novos e ilustres moradores foi dada a ordem de despejo aos moradores das melhores residências. Nas portas dessas residências foi colocada a sigla “P.R” de Príncipe Regente. Obviamente a medida gerou revolta e a população logo interpretou a sigla de outra maneira: “Ponha-se na Rua” ou como “Prédio Roubado”. Nesse cenário viviam 60 mil habitantes, sendo boa parte escravos ou ex-escravos.  No período de um ano a população da cidade cresceu cerca de 20% e os problemas de estrutura e de moradia aumentaram ainda mais. Os centros urbanos rapidamente passaram a receber uma série de melhorias: novas ruas e estradas foram abertas, novas pontes foram construídas, portos foram ampliados e em muitas cidades houve instalação de iluminação pública, avanços nas redes de água, mais investimentos em obras de saneamento e no sistema de limpeza urbana. Com novos serviços sendo prestados surgiram novas oportunidades de emprego.
 Outra condição precária no Brasil encontrado por D. João foi a do ensino. Poucas pessoas eram alfabetizadas e o ensino dependia, na maioria das vezes, das ordens religiosas. Para amenizar essa situação, novas escolas foram sendo preparadas e ainda em 1808 D. João fundou as primeiras universidades com destaque para as duas escolas de medicina, uma no Rio de Janeiro e outra em Salvador. Além disso, foram fundados cursos de técnicas agrícolas, laboratórios de estudos e análises químicas e a Academia Real Militar, responsável pelo ensino de engenharia e mineração. Na mesma época, visando um maior enriquecimento cultural, outras importantes instituições foram criadas. A Biblioteca Real (atual Biblioteca Nacional), a Academia de Belas ArtesReal Teatro de São JoãoJardim Botânico são alguns exemplos.
Outra importante mudança cultural promovida por D. João foi a fundação da Imprensa Régia, a primeira editora instalada no Brasil. Embora alguns jornais ou folhetos tenham circulado na colônia, a atividade da imprensa era considerada ilegal pelo governo metropolitano. Os portugueses acreditavam e temiam que as ideias revolucionárias pudessem se espalhar e por isso proibiam a circulação de qualquer jornal. A liberação surgiu da necessidade que o governo tinha de anunciar à população as mudanças que eram promovidas, inclusive o aumento de alguns impostos ou a criação de novos. O primeiro jornal a circular no Brasil foi a Gazeta do Rio de Janeiro.  Ainda com o objetivo de desenvolver o ensino, as artes, a cultura e até modificar os hábitos da colônia, o príncipe regente contratou em 1816 a chamada Missão Artística Francesa. Diversos artistas e cientistas vieram ao Brasil e retrataram a paisagem, a flora,  fauna e o cotidiano das pessoas.
    A situação do Brasil encontrado por D. João também o forçou a promover mudanças na administração, criando órgãos que antes só existiam em Portugal. Foi criado o Banco do Brasil e a Casa da Moeda e para organizar a estrutura do governo foram instalados novos ministérios, como o da Fazenda e Interior, da Marinha e da Guerra e Estrangeiros, criados Tribunais de justiça e cartórios. No geral, os diversos cargos públicos eram ocupados por portugueses e a elite brasileira, apesar de praticamente não ter espaço político e militar, foi beneficiada com títulos de nobreza.

Em relação à política interna, o príncipe D. João tomou medidas que visavam de fortalecer a produção agrícola e levar a pecuária a regiões da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo. Os governadores das capitânias estavam autorizados a conceder terras de sesmarias e foi dada a permissão para a guerra contra indígenas, caso esses se demonstrassem hostis. Desse modo ressurgiu a chamada “guerra justa”, prática que chegou a ser condenada ao longo do período colonial.[13] Na política externa D. João adotou uma posição ofensiva procurando ampliar o território. Em 1808, como resposta aos ataques sofridos na Europa, o príncipe ordenou ainvasão da Guiana, colônia francesa na América. Anos depois, em 1816, com o objetivo de dominar a Bacia do Rio da Prata foi determinada a ocupação da Banda Oriental do Uruguai, território que pertencia a Espanha e que mais tarde foi incorporado ao Brasil com o nome de Província da Cisplatina.
Em 1814, com a derrota de Napoleão na Europa estava aberta a possibilidade de retorno da família real para Portugal. Entretanto, D. João estava muito bem instalado no Brasil e não simpatizou com a ideia. O Congresso de Viena[14], reunido em 1815, não reconhecia o Brasil como sede do governo português e, portanto D. João só poderia assumir o trono se estivesse em Lisboa. Decido a permanecer por aqui, em dezembro de 1815 o príncipe regente elevou o Brasil a condição de Reino Unido de Portugal e Algarves[15] Essa decisão fortaleceu os laços entre Brasil e Portugal, mas ao mesmo tempo deu maior autonomia ao Brasil que deixava oficialmente de ser uma colônia.  
No dia 20 de março de 1816 a rainha Dona Maria faleceu abrindo caminho para o príncipe ser aclamado como rei. A coroação ocorreu somente em fevereiro de 1818 com grandes festividades no Rio de Janeiro.  D. João tornou-se rei de Portugal, Brasil e Algarves recebendo o título de D. João VI.  
  As mudanças promovidas permitiram ao mesmo tempo a propagação de novos hábitos entre os brasileiros, especialmente entre a elite que se viu diante de um novo mundo, cheio de possibilidades que até desconhecia. Sem dúvida alguma, durante o período joanino o Brasil deixou de ser um simples espaço de exploração colonial. Porém, ao promover uma série transformações D. João pretendia em primeiro lugar, satisfazer a elite que já vivia no Brasil e também a corte que foi obrigada a deixar a Europa.  Sendo assim as melhorias promovidas estiveram longe de beneficiar a maioria da população. Para realizar todas as obras que eram necessárias, sustentar a corte no Rio de Janeiro e fortalecer as forças armadas, o governo determinou o aumento de vários impostos gerando automaticamente insatisfação nas camadas mais populares, especialmente nas províncias mais distantes da capital. 




A Revolução Pernambucana – 1817
Entre 1816 e 1817 uma grande seca atingiu a capitânia de Pernambuco, grande produtora de açúcar e de algodão. Nessa época os pernambucanos já estavam insatisfeitos com o domínio que os portugueses tinham sobre o comércio na região e passaram, ao mesmo tempo, sofrer com a concorrência do açúcar produzido nos Estados Unidos e nas Antilhas. Com mais açúcar sendo ofertado o valor do produto despencou. Os grandes proprietários enfrentavam dificuldades financeiras e contraíram dívidas. As classes mais populares sofriam com a alta nos preços de alimentos e a fome castigava boa parte da região nordeste. A indignação dos pernambucanos tornava-se ainda maior devido ao aumento de impostos que eram cobrados e usados, em grande parte, para sustentar a corte instalada no Rio de Janeiro. Este conjunto de dificuldades enfrentadas pelos pernambucanos motivou, em março de 1817, o início de uma revolta que contou com participação de diversos setores da sociedade local e que ficou conhecida como Revolução Pernambucana. A revolta se espalhou por outras capitânias, como Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
O movimento tinha caráter separatista e os rebeldes, inspirados nos episódios ocorridos nos Estados Unidos e na França, proclamaram uma República. Foi organizado um governo provisório que se encarregou de eliminar alguns impostos que eram cobrados e elaborou uma constituição que garantiu liberdade religiosa e de imprensa. Para não se opor aos senhores de engenhos a escravidão foi mantida. Mesmo assim, a participação de membros das camadas mais humildes da população trazia desconforto às lideranças do movimento. Os rebeldes conseguiram ficar a frente no poder em Pernambuco durante 75 dias.  Do Rio de janeiro D. João ordenou o combate aos revoltosos. Com os portos da província bloqueados os rebeldes não resistiram e se entregaram em maio de 1817.

A Revolução Liberal do Porto (1820)

Não era só no Brasil que havia motivo para insatisfação. Desde a fuga da família real para o Brasil, em 1808, Portugal enfrentava uma série crise política e econômica. O país foi ocupado pelas tropas francesas e posteriormente pelos ingleses, que organizaram tropas e derrotaram as forças invasoras de Napoleão. Embora existisse em Portugal uma representação portuguesa, quem realmente tinha poder de decisão era o Lorde Beresford, comandante das forças militares inglesas que garantiam proteção aos portugueses.
Apesar da crise política e do domínio que os ingleses tinham sobre os cargos públicos mais importantes, o principal motivo do descontentamento da população portuguesa era a crise econômica provocada pelo decreto de D. João que abriu os portos do Brasil e pelas vantagens comerciais concedidas a Inglaterra. Na prática, como vimos, essas medidas representaram o fim do “pacto colonial” e acabaram com o monopólio que Portugal sempre teve sobre o comércio brasileiro. A presença e domínio exercido por autoridades inglesas no país e o desastroso momento econômico enfrentado pelos portugueses motivaram, na cidade do Porto em 1820, o início de uma revolta liderada por um grupo de militares. As ideias foram aceitas rapidamente em todo o país. O movimento ficou conhecido como Revolução do Porto ou Revolução Liberal do Porto.
Os revoltosos combatiam o absolutismo e pretendiam estabelecer no país uma monarquia constitucional orientada por princípios liberais. Além disso, não aceitavam a instalação da corte no Brasil. Sendo assim, duas exigências fundamentais eram feitas: a volta imediata de D. João VI à Portugal e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.  Os revolucionários instalaram um governo provisório que tomou a iniciativa de convocar uma Assembleia Nacional para elaborar a nova constituição. A pressão feita pelos revolucionários em Portugal trazia várias preocupações para os brasileiros, especialmente para a elite. O retorno de D. João para a Europa poderia significar o fechamento dos portos e o restabelecimento do pacto colonial fazendo com que o Brasil voltasse a condição de colônia. Os acontecimentos políticos em Portugal assustaram D. João que a princípio desejava permanecer no Brasil. Entretanto, o agravamento da situação e a possibilidade de perder a coroa fizeram com que o rei voltasse para Portugal.
O tempo em que D. João permaneceu no Brasil foi de grande importância para emancipação brasileira. Entre 1808 e 1821 o Brasil foi, de certo modo, preparado para a independência. Quando partiu para Portugal, D. João VI deixou no Brasil seu filho Pedro a quem nomeou príncipe regente tentando assim manter o Brasil unido a Portugal.  Mesmo assim, percebendo o amadurecimento das ideias de emancipação, teria dito a seu filho: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja pra ti, que há de me respeitar, do que para algum desses aventureiros”.

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